Por Caroline Gualtieri e João Costa
1. INTRODUÇÃO
A concessão de recursos para custear deslocamentos de vereadores em viagens oficiais é prática legítima e prevista no ordenamento jurídico brasileiro. Entretanto, a experiência demonstra que a ausência de regulamentação clara e de controles adequados gera riscos de apontamentos pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) e, em alguns casos, de responsabilização pessoal do agente público.
Neste sentido, é fundamental distinguir, conceitualmente e juridicamente, “adiantamento” e “diária”, definindo forma, limites, critérios, hipóteses de concessão e comprovação, a fim de assegurar transparência, economicidade e legalidade.
2. DIFERENÇA CONCEITUAL E JURÍDICA
2.1. Diária
O mais recomendável para Vereadores, enfim cargos comissionados, Assessores, e etc… é a Diária, a qual em nosso entendimento deve ser fixada.
Finalidade: Custear despesas com alimentação, hospedagem e locomoção urbana em viagens realizadas fora do município de sede da Câmara Municipal, quando no exercício de função ou missão oficial.
Natureza Jurídica: Indenizatória, não incorporável à remuneração e não sujeita a contribuição previdenciária (CF, art. 37, §11).
Pagamento: Geralmente antecipado, com valor fixado por dia ou fração de dia, mediante comprovação da viagem e de sua finalidade institucional.
Base Legal: Art. 37, caput e §11, da CF/88; princípios da administração pública; regulamentação própria por Resolução ou Decreto Legislativo no âmbito do Legislativo Municipal.
Entendimento do TCE-SP: As diárias devem ter previsão legal específica e valores fixados em ato normativo formal da Câmara, nunca apenas por portaria ou decisão administrativa. É vedado o pagamento de diárias para deslocamentos dentro do próprio município.
2.2. Adiantamento
Finalidade: Antecipação de valores para custear despesas específicas e eventuais de viagem, quando o valor exato não é previamente conhecido.
Natureza Jurídica: Suprimento de fundos, de caráter excepcional, regido pelas normas de finanças públicas (Lei nº 4.320/64, art. 68; Decreto-Lei nº 200/67, art. 68; normas do TCE-SP).
Pagamento: Feito a servidor ou agente responsável, com prestação de contas posterior e devolução de eventual saldo não utilizado.
Aplicação no Legislativo: Pode ser usado para custear despesas não previstas no valor da diária (por exemplo, inscrições em eventos, taxas de participação), desde que regulamentado.
3. FUNDAMENTAÇÃO LEGAL E NORMATIVA
3.1. Constituição Federal
Art. 37, caput e §11: Define que parcelas indenizatórias não se incorporam à remuneração.
Art. 70: Determina que toda despesa pública deve ser comprovada e submetida à fiscalização.
3.2. Lei nº 4.320/64
Art. 68: Prevê o regime de adiantamento (suprimento de fundos).
Art. 60: Nenhuma despesa será paga sem prévio empenho.
3.3. Lei Complementar nº 101/2000 (LRF)
Art. 15 e 16: Necessidade de prévia dotação orçamentária e estimativa de impacto financeiro.
Art. 59: Controle interno e externo sobre atos de gestão.
3.4. Lei Orgânica Municipal e Regimento Interno
Devem conter previsão expressa para deslocamentos oficiais de vereadores e servidores.
3.5. Nova Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 14.133/2021)
Art. 72: Determina instrução processual com justificativa de necessidade, razão da escolha e compatibilidade de preços, aplicável por analogia às contratações diretas de serviços e despesas de deslocamento.
4. FORMA DE REGULAMENTAÇÃO
O TCE-SP tem entendimento consolidado de que a regulamentação deve ser feita por meio de ato normativo formal do Legislativo Municipal, preferencialmente:
Resolução da Câmara Municipal – instrumento interno que regula matéria administrativa da Casa, inclusive direitos e deveres de vereadores.
Decreto Legislativo – também é admissível, especialmente quando o tema envolve matéria de interesse institucional do Legislativo.
Ato da Mesa – possível apenas se houver autorização prévia na Lei Orgânica ou Regimento Interno, mas menos recomendado, pois pode ser visto pelo TCE-SP como insuficiente para fixação de valores.
Jurisprudência TCE-SP:
TCESP – Processo TC-000532.989.18-0: Determinou que valores de diárias para vereadores devem ser estabelecidos por ato normativo próprio, com previsão de hipóteses de concessão, valores e forma de comprovação.
TCESP – Processo TC-000123.989.17-6: Apontou como irregular a ausência de comprovação documental da viagem e da participação do vereador no evento.
5. CRITÉRIOS PARA FIXAÇÃO DE VALORES
Deve ser observada a razoabilidade e proporcionalidade, considerando custos médios de hospedagem, alimentação e transporte no destino.
É recomendável que haja diferenciação por localidade (capitais, interior, outros estados) e por duração da viagem (integral ou parcial).
Basear-se em pesquisas de preços e tabelas oficiais (por exemplo, valores pagos pelo Executivo ou outros Legislativos similares).
6. PROCEDIMENTOS ESSENCIAIS
Previsão Orçamentária: Dotação específica na LOA para diárias e adiantamentos.
Requerimento Formal: Solicitação prévia do vereador, indicando local, data, objetivo e justificativa institucional.
Autorização: Aprovação pela Mesa Diretora ou autoridade competente.
Pagamento Antecipado: Com base no valor fixado em resolução/decreto legislativo.
Prestação de Contas: Comprovação documental (certificados, passagens, notas fiscais, relatórios).
Publicação: Em portal da transparência, com identificação do beneficiário, valor e finalidade.
7. RECOMENDAÇÕES FINAIS SEGUNDO O TCE-SP
Não conceder diárias para deslocamentos dentro do próprio município.
Não transformar diárias em complemento remuneratório disfarçado.
Publicar todos os atos concessórios no portal da transparência.
Exigir prestação de contas, sob pena de devolução e responsabilização.
Utilizar Resolução ou Decreto Legislativo como forma mais segura de fixar regras e valores.
8. CONCLUSÃO
A correta distinção entre diária e adiantamento, associada a uma regulamentação clara, assegura segurança jurídica, transparência e economicidade.
O TCE-SP tem reiterado que a ausência de norma interna clara e a falta de comprovação documental configuram irregularidade grave.
Assim, a Câmara Municipal que pretende adotar tais instrumentos deve aprovar Resolução ou Decreto Legislativo prevendo:
Conceito e finalidade;
Hipóteses de concessão;
Forma de cálculo e valores;
Procedimentos para solicitação e autorização;
Exigência de prestação de contas;
Penalidades em caso de descumprimento.
Mogi Mirim/SP – Agosto de 2025
Caroline Gualtieri João Costa
Consultora Consultor
ACGP – Assessoria e Consultoria em Gestão Pública e Frente Parlamentar dos Municípios