Tema: Risco de responsabilização de Prefeitos e Secretários de Saúde por terceirização irregular de médicos por meio de Organizações da Sociedade Civil (OSC)

1. Contextualização e Fato Gerador
A presente Nota Técnica tem por finalidade alertar os Prefeitos, Secretários Municipais de Saúde e gestores públicos quanto ao risco de responsabilização pessoal, administrativa e financeira decorrente da contratação de médicos e outros profissionais da saúde mediante Organizações da Sociedade Civil (OSC), sem o devido planejamento, fiscalização e amparo legal, conforme recente decisão do Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE).
O caso noticiado envolveu multa aplicada ao Prefeito e ao Secretário Municipal de Saúde de determinado município pernambucano por terceirização irregular de médicos via contrato de gestão com OSC, caracterizando terceirização indevida de atividade-fim, ausência de controle e supervisão do poder público e violação aos princípios da legalidade, moralidade e eficiência.
Este precedente é relevante e serve de alerta nacional, pois o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) tem entendimento consolidado em linha semelhante, reconhecendo que a terceirização de atividade-fim no âmbito da saúde pública por meio de OSC, OS ou entidades similares, sem critérios legais e controle efetivo, pode configurar despesa irregular, burla à regra do concurso público e ato de improbidade administrativa.

2. Fundamentação Constitucional e Legal
2.1. Constituição Federal
Art. 37, II e IX – CF/88: estabelece que o ingresso no serviço público deve ocorrer mediante concurso público, excetuadas as contratações temporárias, sob condições de necessidade excepcional e prazo determinado.
Art. 199, §1º – CF/88: admite a participação complementar da iniciativa privada na assistência à saúde, “de forma suplementar ao Sistema Único de Saúde (SUS)”, mediante contrato ou convênio com o Poder Público.
Art. 197 – CF/88: dispõe que as ações e serviços públicos de saúde são de relevância pública e que cabe ao Poder Público dispor sobre sua regulamentação, fiscalização e controle.
➡️ Síntese: a Constituição não veda a parceria com entidades privadas, mas impõe que o controle e a direção das ações de saúde permaneçam sob a responsabilidade estatal, sendo vedado transferir integralmente a execução e gestão de atividades-fim a terceiros.
2.2. Lei nº 8.080/1990 (Lei Orgânica da Saúde)
O art. 4º, §1º, define que:
“O conjunto de ações e serviços de saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, integra uma rede regionalizada e hierarquizada e constitui o Sistema Único de Saúde (SUS).”
Já o art. 18, inciso X, prevê como competência da direção municipal do SUS:
“Celebrar contratos e convênios com entidades prestadoras de serviços privados de saúde, desde que haja controle e fiscalização do poder público municipal.”


➡️ Portanto, a terceirização sem controle efetivo e supervisão técnica do gestor público é ilegal, pois retira do Município a responsabilidade direta sobre o serviço público essencial.
2.3. Lei nº 13.019/2014 – Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC)
O MROSC regulamenta as parcerias entre o poder público e OSCs, exigindo que:
haja planejamento prévio e justificativa técnica (art. 22);
seja comprovado o interesse público e vantagem da parceria (art. 23);
o objeto não configure mera prestação de serviços continuados típicos de servidor público (art. 35, §2º);
haja monitoramento e avaliação de resultados (arts. 58 a 61).
➡️ Logo, a contratação de OSC para fornecer médicos de forma contínua e permanente viola o MROSC, por caracterizar substituição irregular de servidores públicos, o que extrapola a finalidade da parceria.
3. Entendimento Jurisprudencial
3.1. Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco (TCE-PE)
Processo nº XXXXX241-4 – Rel. Cons. Carlos Neves – Julgado em 03/10/2025
“É irregular a terceirização de médicos por meio de Organização da Sociedade Civil quando esta atua como mera intermediadora de mão de obra, sem prestação complementar de serviços e sem controle do ente público. Configura-se terceirização indevida de atividade-fim e afronta aos princípios da administração pública.”
Sanção:
➡️ Multa ao Prefeito e ao Secretário de Saúde.

➡️ Determinação de ajuste imediato dos contratos.
3.2. Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP)
TC-XXXXXX/989/22-5 – Rel. Cons. Sidney Beraldo – Sessão de 12/04/2023
“A contratação de Organização Social para prestação de serviços de saúde não pode se confundir com terceirização de mão de obra. A gestão de unidades de saúde por OS deve observar o controle público, sob pena de burla à regra do concurso público e afronta à CF/88.”
TC-XXXXXX/989/20 – Rel. Cons. Dimas Ramalho – Sessão de 23/06/2021
“A transferência integral da execução de serviços médicos à iniciativa privada, sem supervisão direta do Município, constitui irregularidade grave e despesa imprópria.”
Comunicado SDG nº 16/2020 – TCE-SP:
“Considera-se despesa imprópria a execução de atividades-fim da saúde pública por terceiros, sem justificativa técnica, controle de resultados e sem observância dos princípios da economicidade e eficiência.”
3.3. Jurisprudência dos Tribunais Superiores
STF – RE XXX.099 (Tema 246 da Repercussão Geral):
“É inconstitucional a contratação de pessoal por empresa interposta para desempenho de atividades permanentes da administração pública.”
STJ – RMS XX.367/BA – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho:
“A contratação indireta de servidores para a execução de atividades-fim da administração pública configura burla à exigência constitucional do concurso público.”

4. Responsabilidades dos Gestores Públicos
A terceirização irregular de médicos por meio de OSC ou OS pode ensejar:
a) Responsabilidade Administrativa
Ato de improbidade administrativa (Lei nº 14.230/2021, art. 11, II e III) por violação dos princípios da legalidade e moralidade.
Sanções pelo TCE-SP (multas, determinações de devolução de valores, glosas de despesa).
b) Responsabilidade Financeira
Ressarcimento ao erário em caso de dano comprovado (art. 71, II, CF/88; art. 8º, LRF).
c) Responsabilidade Penal
Possível enquadramento em crime de responsabilidade (Decreto-Lei nº 201/1967, art. 1º, XIV) por aplicar indevidamente verbas públicas.
5. Recomendações Técnicas da ACGP
Para evitar autuações e garantir segurança jurídica, a ACGP recomenda que os gestores municipais adotem as seguintes providências:
✅ Planejamento técnico e jurídico prévio, com justificativa clara da necessidade de parceria com OSC e comprovação de insuficiência operacional do Município.
✅ Controle e supervisão direta do contrato pelo gestor público, com relatórios técnicos mensais e indicadores de desempenho.
✅ Evitar o uso de OSC como mera intermediária de mão de obra, o que é vedado pelo MROSC e pelo TCE-SP.


✅ Priorizar concurso público e contratações temporárias legítimas (art. 37, IX, CF/88) para funções médicas e assistenciais.
✅ Revisar contratos vigentes, com apoio jurídico, para assegurar que a execução contratual não configure terceirização de atividade-fim.
6. Conclusão
A recente decisão do TCE-PE reforça uma tendência de endurecimento do controle externo sobre as contratações da área da saúde, e deve servir de alerta preventivo a todos os gestores municipais paulistas.
O TCE-SP segue a mesma linha interpretativa: a contratação de OSC para fornecer médicos de forma continuada e substitutiva ao quadro público é irregular, configurando despesa imprópria, burla ao concurso público e potencial ato de improbidade.
Assim, recomenda-se máxima prudência, transparência e assessoramento jurídico permanente em toda parceria que envolva execução de serviços médicos por entidades privadas, sob pena de responsabilização pessoal de Prefeitos e Secretários Municipais de Saúde.
ACGP – Assessoria e Consultoria em Gestão Pública
Promovendo Governança, Legalidade e Eficiência na Administração Municipal.

CAROLINE GUALTIERI e JOÃO COSTA