A Reforma Tributária inaugura uma nova arquitetura do sistema tributário brasileiro, com impactos diretos sobre a autonomia financeira dos Municípios, a gestão orçamentária e o planejamento das políticas públicas locais. O modelo anterior permitia aos Municípios administrar o ISS como tributo próprio, com competência normativa, arrecadatória e fiscalizatória, integrando essa receita diretamente ao orçamento municipal. Com a instituição do Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, na lógica do IVA compartilhado, a arrecadação deixa de depender exclusivamente da capacidade fiscal local e passa a se subordinar a critérios de participação municipal definidos em legislação complementar e em sistemas centralizados de distribuição.
Esse movimento altera profundamente a relação entre o Município e sua própria base econômica. O art. 30, incisos I e III da Constituição Federal mantém a competência municipal para legislar sobre assuntos de interesse local e organizar seus serviços públicos, mas a Reforma transfere a execução da tributação sobre consumo para um regime de cooperação federativa. O Município continuará existindo como ente federado autônomo, porém sua autonomia financeira agora dependerá de sua capacidade de demonstrar, de maneira objetiva, a atividade econômica realizada em seu território.
O Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCESP) destaca que, neste novo cenário tributário, a organização administrativa da arrecadação passa a ser determinante para a manutenção da capacidade fiscal municipal. Não se trata de aumento ou diminuição obrigatória de receita, mas de disputa técnica pela participação no bolo tributário nacional. Municípios que mantêm cadastros desatualizados, fiscalização ineficiente ou ausência de planejamento econômico territorial tendem a perder participação relativa no IBS ao longo dos próximos ciclos.

Por isso, conforme enfatiza o TCESP em seus manuais de planejamento, relatórios de orientação e notas técnicas sobre gestão fiscal, o Município precisa avançar imediatamente em três frentes:
(1) diagnóstico da base econômica local;
(2) modernização cadastral e integração de dados internos; e
(3) revisão da estrutura administrativa da arrecadação, fiscalização e lançamento tributário.
Sem essas providências, o Município corre o risco de perder protagonismo no cálculo do índice de participação municipal, que será construído a partir de indicadores agregados, tais como: movimentação econômica, consumo efetivo, registros fiscais, emissão de documentos eletrônicos e presença formal de atividade produtiva.
A Reforma Tributária, portanto, não exige apenas uma mudança normativa. Ela exige governo estruturado e governança fiscal permanente. O Município que continuar tratando sua arrecadação como mera função contábil, sem integração com as áreas de desenvolvimento econômico, planejamento e fiscalização territorial, verá sua capacidade financeira decrescer gradualmente na próxima década.
Nesse sentido, o art. 174 da Constituição Federal, ao estabelecer o papel do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica, assume centralidade no plano municipal: cabe ao Município identificar vocações produtivas, incentivar formalização de empresas, reduzir barreiras administrativas, promover ambiente de negócios atrativo e assegurar segurança jurídica ao empreendedor. O orçamento público, regido pelos princípios da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101/2000), passa a depender de uma visão integrada entre planejamento fiscal, arrecadação e desenvolvimento territorial.
A Reforma Tributária traz também exigência de revisão de contratos administrativos, convênios e instrumentos de prestação de serviços, especialmente aqueles que mencionam o ISS como índice de reajuste ou cláusula de repasse. O Município deve iniciar processo de revisão gradual dessas peças contratuais, sob pena de desalinhamento contábil e inconsistência entre receita estimada e receita efetivamente recebida. Essa orientação encontra respaldo nos princípios de planejamento, equilíbrio, prudência e transparência previstos nos arts. 1º, 4º e 48 da LRF e reforçados pelo TCESP nas análises de contas anuais dos Municípios.
O cenário que se forma é claro: a Reforma Tributária não reduz o Município; ela exige um Município mais competente, mais organizado, mais técnico e mais estratégico. A autonomia municipal continuará existindo, mas ela dependerá cada vez mais da capacidade de gestão inteligente da economia local.
Se a engrenagem municipal não se ajusta ao novo ritmo, todo o sistema local perde eficiência — e quem sofre é a população, pela redução da capacidade de investimento em saúde, educação, infraestrutura e proteção social.
Portanto, a Reforma Tributária não é apenas uma mudança tributária. É uma mudança de Estado.
E quem não compreender isso a tempo, ficará para trás.

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